Se, na literatura, a Europa tem sido alvo de um enfoque sobretudo parcelar de acordo com diferentes enquadramentos geográficos, concretos ou imaginários, existem outras abordagens críticas e teóricas que nos permitem lançar um olhar mais complexo e problematizador sobre as configurações geopolíticas e geo-simbólicas que o “Velho Continente” adquiriu desde o final da segunda Guerra mundial até aos dias de hoje. Ao longo dos últimos 75 anos, múltiplos contextos se ergueram a descolar a Europa tanto do cenário colonial como da centralidade continental, passando a representá-la cada vez mais num equilíbrio e futuro instáveis entre, por um lado, as amarras do local e os apelos da autenticidade, e por outro, os desafios da globalização e os confrontos identitários.
Assim, e cada vez mais, a legibilidade ou interpretação do continente europeu supõem ferramentas conceptuais mais apropriadas ao que se convencionou chamar area studies(estudos de área), e que supõem tanto a transversalidade de questões como fluxos e trocas, designadamente aqueles que envolvem a criação e a mediação literárias dentro de uma mesma zona geográfica, independentemente das opções linguísticas (Moura, 2017).
Como área, a Europa pós 1945 resulta em grande medida da escrita e da leitura, tanto a partir de um olhar intrínseco, que traz à luz liminalidades, urbanidades e experiências (trans)fronteiriças esquecidas, exumadas ou imaginadas, como a partir de um ponto de vista exotópico, em que sujeitos pós-coloniais se inscrevem no imaginário europeu a partir de experiências migrantes, exílicas ou diaspóricas. São sobretudo estas que pousam o seu olhar “de fora” sobre uma Europa “provincializada” (Chakrabarty, 2000) ou pós- colonializada (Schulze-Engler, 2013), “irritando-a” (idem) quando a remetem para a sua “pós-colonialidade”, ou quando a obrigam a confrontar-se com a sua “melancolia pós-colonial” (Gilroy, 2006) e a (procurar) superá-la.
Contudo, e apesar de estar indelevelmente marcada por uma história complexa e tantas vezes dramática, a Europa continua a catalisar esperanças humanistas e utopias. Isso ao mesmo tempo que se assiste a fenómenos também contraditórios como sejam, por um lado, a ascensão do radicalismo e o extremismo políticos e religiosos; a tendência para o fechamento identitário ou nacionalista, e por outro, os fluxos migratórios e os sinais de um cosmopolitismo pós-nacional (Dominguez / D’Haen, 2015).
Além de explorar a ideia de Europa na literatura contemporânea, designadamente no que ela questiona sobre as vantagens e as fraquezas de um projeto político inacabado como a União Europeia, revela-se também oportuno examinar algumas tendências nas configurações seja da criação, seja da mediação dentro do espaço europeu, o que implica uma reflexão não apenas sobre o seu imaginário literário, como também sobre as práticas de tradução e de circulação da “ficção europeia” entre periferias e centros, entre línguas minoritárias e línguas de maior circulação, condicionadas tanto por instâncias legitimadoras como por políticas e mercados editoriais.